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O objetivo deste relatório é mostrar os avanços que fizemos em nossa pesquisa para criar uma tipologia das instituições de educação superior (IES) a partir de como elas operam na prática. Com esse olhar (como as IES funcionam) pudemos analisar o tipo de classificação das instituições e agrupá-las a partir de características de funcionamento.

Resultados Iniciais de Pesquisa e várias perguntas

Maria Lígia de Oliveira Barbosa

Maria Lígia de Oliveira Barbosa

Professora do IFCS-UFRJ

Coordenadora do CeLapes

O que encontramos?

Os resultados preliminares confirmam nossa hipótese: a classificação formal conta apenas parte da história do funcionamento das instituições. Isso significa que demos um passo correto na construção de instrumentos de análise da educação superior. Nossa tipologia consegue mostrar mais elementos importantes que ficavam sumidos na visão inicial.

Além da oposição entre IES públicas e privadas, o tamanho da instituição desempenhou um papel na definição da dinâmica da expansão. O sistema brasileiro de ensino superior se expandiu, reduzindo a diversidade institucional e concentrando as matrículas.

A concentração de matrículas (88 instituições privadas recebem 2.730.061 de alunos) e a alta virtualização definem o primeiro grupo de IES.

A expansão significativa das matrículas no primeiro grupo foi contraposta pela redução igualmente significativa das matrículas nas instituições tradicionais e de elite.

Em geral, nossos resultados indicam a constituição de tipos institucionais nos outros países latino-americanos analisados que reproduzem alguns padrões encontrados no caso brasileiro. Indicamos assim que:

  • A segmentação do sistema entre um grupo de instituições, principalmente universidades, que são mais seletivas em termos socioeconômicos e acadêmicos, e outras instituições focadas em carreiras de baixo prestígio ou de curto prazo, de natureza não universitária.

  • Os modelos institucionais escolhidos para o treinamento de professores provaram ser um ponto essencial de diferenças entre os países.

  • As universidades desempenham um papel organizador no ensino superior e sempre têm um alto grau de autonomia legalmente estabelecido.

  • O papel desempenhado pelo setor privado distingue o Brasil, o Chile e o Peru da Argentina e do Uruguai. Essa distinção não é absoluta, e as diferenças entre os países mais privatizados podem estar ligadas ao impacto de instituições regulatórias mais fortes ou mais fracas.

  • O espaço institucional e o papel atribuído à educação a distância diferem muito entre os países analisados. O sistema brasileiro, caracterizado pela concentração e oligopolização do mercado de ensino superior, principalmente privado e oferecido por meio de cursos a distância, apresenta desafios para a pesquisa sobre diversificação institucional.

Indicações de temas e questões para pesquisa
  1. Sistema de Educação Superior?

 

            Um dos melhores resultados de uma pesquisa comparativa é ajudar a DESNATURALIZAR nossa visão de mundo. Mesmo cientistas sociais experimentados têm aqueles momentos em que deixam de lado a dúvida permanente, dever fundamental de todo pesquisador, e acabam tomando como “realidade”, como a “ordem natural das coisas”, aquilo que é um fato social. Ou seja: esquecemos que aquilo que nos parece normal, natural – como a ideia de cursar a universidade ao fim do ensino médio – pode ser um arranjo específico das relações e forças sociais num determinado espaço, numa certa época. Ou mesmo para um grupo social específico.

            Nesse processo de desnaturalização, foi necessário retomar questões que pareciam resolvidas: o que é Educação Superior? O que é Universidade? O que é um Sistema de Educação Superior? Como as diferentes Instituições de Educação Superior se articulam nestes sistemas? Quais cursos são superiores? Quais certificados e/ou diplomas são ofertados?

As respostas podem ser diferenciadas segundo os países. A leitura deste relatório propicia algumas aproximações iniciais dos modelos institucionais no Brasil, na Argentina, no Chile, no Peru e no Uruguai.

 2. Um ideal Humboldtiano aumenta e melhora a pesquisa?

Encontramos nos cinco países pesquisados um modelo ideal de universidade, com fortes características do chamado modelo Humboldtiano, que tem na formação acadêmica e na pesquisa seus pilares principais. São instituições de elite e muito tradicionais. Apesar de, no caso brasileiro, estarem perdendo estudantes, essas instituições mantêm sua posição destacada na paisagem da educação superior dos nossos países. Isto se deve ao fato de conjugarem as formações com maior nível de excelência como também alguns dos centros mais respeitados de pesquisa.

A ênfase no modelo de universidades de pesquisa e formação de excelência se associa a investimentos significativos do setor público na pós-graduação. São as instituições que seguem este modelo aquelas que se destacam nos rankings internacionais e que podem ser consideradas ‘world class universities’. A emulação deste modelo de sucesso, num processo conhecido como isomorfismo, pode ter efeitos perversos, acabando por gerar um viés acadêmico.

Mas a função de pesquisa na educação superior tem impactos importantes no próprio desenho das organizações universitárias. Pesquisadores e cientistas reforçam um funcionamento institucional moderno, amparado no rigor do método científico, buscando evitar as perspectivas mais tradicionalistas e com valores conservadores. Essa função justifica perante o público leigo o valor da existência da educação superior. Mostra para o cidadão comum que vale a pena investir seu dinheiro (ou seus impostos) nessa atividade um tanto cara e exotérica.

Por outro lado, há retornos, mensuráveis mesmo economicamente, desta função. Patentes e vacinas são bastante visíveis. A pandemia de Covid 19 deixou clara nossa dependência dos conhecimentos científicos. Ao mesmo tempo, a quantidade e a qualidade desses retornos precisam ainda ser melhor compreendidas e medidas nos nossos países. Há diferentes níveis e formas de investimentos na pesquisa e distintas compreensões de como se deve associar o trabalho de pesquisa e as instituições universitárias.

 3. Professores devem ser formados em nível universitário?

 

A formação dos professores para a educação básica talvez seja uma das funções mais debatidas do ensino superior. Tentando desnaturalizar um pouco esta questão que pode ferir suscetibilidades (a maior proporção de matrículas está nos cursos de formação de professores) pode-se perguntar, como se faz por exemplo com a gestão de recursos humanos ou com a enfermagem, por que razão os cursos de formação de professores da educação básica devem ser cursos superiores.

Não poderiam nossos professores serem formados em cursos secundários? Ou em institutos específicos (como ocorre nos nossos vizinhos) de educação superior mas não universitária?

A distinção entre as respostas nacionais a esta questão se repete nos embates sobre os conteúdos curriculares para a formação docente. Há pouco consenso social ou político sobre o quê os professores deveriam estudar para aprender a ensinar. Pesquisadores brasileiros já aventaram a hipótese de que os nossos professores não aprendem a ensinar.

Se há muita clareza sobre a necessidade de tornar a carreira docente mais atraente social e economicamente, talvez o papel crucial desses profissionais na definição do futuro de uma sociedade torne mais difícil encontrar formas institucionais e conteúdos pedagógicos eficientes.

A forma encontrada pela Argentina e o Peru, que propõem que os professores sejam formados fora das universidades, resultaria em melhores e mais competentes profissionais?

Ser formado em nível terciário mas numa instituição que não é universitária desenharia modelos de formação distintos daqueles vistos no Brasil? Deve-se lembrar que a maior parte dos alunos de licenciatura brasileiros são matriculadas em instituições privadas que nem sempre são universidades. Neste sentido, o modelo institucional faria alguma diferença? Que tipo de diferença?

 4. A Educação a Distância (EaD) pode ser Superior?

 

Esta questão ecoa um dos itens discutidos acima sobre o que seria a Educação Superior. E conjuga diferentes elementos de análise: se EaD é “apenas” uma modalidade distinta de oferecer a formação ou seria um outro tipo de educação; se haveria conteúdos que podem ser oferecidos em formato remoto e outros não; se as pessoas em cursos presenciais aprendem mais que aquelas que estudam a distância.

Estes elementos ou dimensões são válidos em todos os países como pontos de pesquisa e informação para políticas e legislações sobre o tema. Mas são especialmente destacados no Brasil, onde em 2020 os ingressantes em cursos EaD superaram aqueles que se matricularam em cursos presenciais. Esse aumento explosivo aconteceu principalmente nos cursos da área de educação, ou seja, na formação de professores.

Se num país de proporções continentais como é o Brasil é fácil demonstrar o potencial inclusivo dessa expansão de matrículas, a forma atabalhoada e pouco regulamentada com que o processo foi conduzido levanta dúvidas sobre a qualidade e sobre os possíveis efeitos dessa formação no mercado de trabalho. Há poucos estudos sistemáticos ainda. No entanto, evidências anedóticas indicam que sim, as prefeituras do interior do país contratam profissionais de diversas áreas formados em cursos EaD. E há estudos no MEC para compreender como funciona esta modalidade de oferta educativa, quase totalmente privada e pouco conhecida de pesquisadores e técnicos administrativos, em sua maioria provenientes do setor público de educação superior.

Nos demais países, há uma experiência muito restrita com EaD, que é praticamente inexistente para cursos de graduação.

 

Obviamente podemos encontrar outros tantos pontos de discussão a partir deste relatório. Foram enumerados alguns que pareceram mais relevantes a partir da matriz teórico-conceitual e metodológica que utilizamos. Da nossa perspectiva, os modelos institucionais assumidos pela educação superior seriam a chave para definir os contornos e o funcionamento do sistema, para explicar o papel da pesquisa e dos pesquisadores nos modelos universitários, para entender o espaço dedicado à formação docente, para analisar impactos da EaD. Uma chave que abre um espaço multidimensional de questões e possibilidades de respostas.

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